quarta-feira, 21 de agosto de 2019

ATO V - Feudalismo, da Barbárie às Nações

Feudalismo, da Barbárie às Nações - Reino Visigodo - Asturias - Reconquista - Livro

 
NARRADOR

Pois que o Império despedaçou-se. Pilhagens e ataques bárbaros criaram uma época de total desagregação social. Não havia mais segurança nas rotas comerciais, e as comunicações cessaram por completo. Era o início do feudalismo: as pessoas fugiram das cidades para o campo e encontraram abrigo ao redor das igrejas católicas espalhadas pelo território. Voltaram ao escambo, à agricultura de subsistência e completaram o processo de ruralização e de esvaziamento das cidades. As terras do antigo império viraram espólios de guerra, divididas entre os estrangeiros vitoriosos. O sistema feudal esfarelou o poder político de volta para as comunidades autônomas, baseadas em relações de dependência servil e de fidelidade entre os camponeses vassalos e os senhores feudais encastelados. A Alta Idade Média presenciou o assentamento desses povos e o surgimento das nações, bárbaras ou cristãs, pela espada e bravura dos seus reis.
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Descrição da cena: Ermesinda, esposa de Afonso I, terceiro rei das Astúrias, senta-se com seus filhos Fruela e Viamarano para contar-lhes mais uma vez sobre a origem visigoda da família e sobre como seu avô Pelayo expulsou os mouros da região e foi aclamado rei pelos asturianos.

FRUELA
Minha mãe! (abordando Ermesinda, que entra) Poderia contar mais uma vez a história da batalha de Covadonga? Por favor.
VIMARANO              
Sim, minha mãe, por favor!
ERMESINDA                       
Vocês gostam da história de seu avô, não?
FRULEA                    
Sim, senhora, é fascinante! A minha preferida depois de Alarico[1].
VIMARANO               
Eu gosto muito das duas!
ERMESINDA            
Claro, meus filhos, eu conto. Sentem-se. (todos sentam)
FRUELA                   
 Conte desde o início, desde Vitiza!
ERMESINDA           
Tudo bem. Vitiza foi um rei visigodo que governou por apenas oito anos e morreu muito jovem.
VIMARANO               
Vitiza morreu com apenas trinta anos, não é, mãe?
ERMESINDA           
Isso. Quando o rei morreu, os nobres indicaram o nome do seu filho Áquila para o trono, mas Don Rodrigo, o Duque de Bética, não aceitou.
FRUELA                    
Sim, porque os reis visigodos não eram hereditários, eles eram eleitos.
VIMARANO              
Ainda bem que os príncipes asturianos não têm esse problema, né, Fruela?
FRUELA                   
Nunca teremos, irmão. Certeza absoluta.[2]
ERMESINDA            
Bom, continuando. Os oponentes de Don Rodrigo contrataram soldados bérberes[3] para tentar recuperar o trono...
FRUELA                    
Traidores! (cortando a história)
ERMESINDA         
 ... na decisiva batalha de Guadalete[4].
FRUELA                   
 Desculpe.
ERMESINDA            
Quando o exército visigodo ainda era três vezes maior, os irmãos de Vitiza Don Oppas e Sisberto  traíram seus colegas e passaram para o lado muçulmano.
FRUELA                   
 Covardes... Além de não conseguirem o trono, ainda tornaram os muçulmanos senhores de quase toda a Andalus[5]!
VIMARANO               
Mas aí vem o vovô!
ERMESINDA         
(rindo) Sim, meu filho. O governador mouro enviou o próprio Don Oppas, irmão de Vitiza, para negociar a rendição. Como não aceitaram, ele enviou uma expedição punitiva e eles fugiram para as montanhas[6].
FRUELA                   
Eu nunca faria acordo com esse traidor.
ERMESINDA            
Seu avô Pelayo e um grupo pequeno de homens foram perseguidos e atraíram os mouros até as montanhas, para a entrada da gruta de Covadonga, onde pediram proteção a uma imagem da Virgem Maria.
VIMARANO
Dizem que a intervenção divina foi decisiva! Eram apenas 300 asturianos contra 1400 mouros!
ERMESINDA            
A entrada da gruta de Covadonga era estreita e difícil, o que anulou a vantagem numérica dos mouros. Seu avô liderou pessoalmente o contra-ataque descendo para o vale enquanto outras frentes atacavam com pedras e flechas de cima dos cumes e bloqueando a retirada.
VIMARIANO             
E é verdade que só sobraram dez asturianos?
ERMESINDA            
Sim, é verdade. Mas foi o suficiente para animar o povo, que se rebelou e começou a expulsar os mouros das nossas terras.
FRUELA                    
E o vovô virou o primeiro rei das Astúrias! (levantando uma espada imaginária)
ERMESINDA            
Isso mesmo. Os bravos asturianos, agora livres, proclamaram o seu avô Pelayo como o seu rei e assim teve início o Reino das Astúrias!
VIMARANO               
Vovô é um herói! (palmas)
FRUELA                    
Bravo! Bravo!  (palmas)




[1] Os visigodos foram os primeiros bárbaros a invadir e saquear Roma em quase 800 anos, liderados pelo rei Alarico, em 24 de agosto de 410 d.C.
[2] Fruela I, futuro rei das Astúrias, apelidado de “O Cruel” pela rígida disciplina, acusou de conspiração e assassinou pessoalmente o irmão Vimarano em 765. Preocupava-se com a crescente popularidade do irmão entre a nobreza e sua enorme simpatia entre a população.
[3] Povos muçulmanos independentes do norte da África.
[4] Batalha decisiva travada entre 19 e 23 de julho de 711, com vitória das forças muçulmanas. A batalha marcou o fim do Reino Visigodo e o início do domínio muçulmano na Península Ibérica por quase oito séculos.
[5] Al-Andalus. Nome árabe dado ao território na península ibérica, a partir do califado Omíada (661-750 d.C.).
[6] Monte Auseva, na cordilheira Cantábrica, norte da atual Espanha.

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domingo, 18 de agosto de 2019

ATO XIII - Futuro, da Internet e Além

As pessoas desafiaram o poder do Estado. A liberdade do indivíduo não é o destino, mas o próprio caminho - Duplipensar - Crime de pensamento - Livro
 

(NARRADOR)
As pessoas desafiaram o poder do Estado. A liberdade do indivíduo não é o destino, mas o próprio caminho. A “eterna vigilância” que nos garante a eterna liberdade foi sendo aperfeiçoada e chegamos à sua quase perfeição. A Internet flerta com uma desavergonhada comunhão público-privada – suas maiores redes sociais utilizam filtros de conteúdo e censura visando ao “bem-estar” e à “proteção” do público. A rede submete artistas, intelectuais e populares ao autopoliciamento, à autocensura, quase que ao “crime de pensamento”, tentando eliminar todas as opiniões com “potencial conflitivo”.  A tecnologia que libertou o indivíduo do poder do Estado é cada vez mais uma extensão do seu próprio corpo. Ela entorpece seus sentidos e suborna-o de uma maneira muito mais owerlliana, em uma espécie de nova espiral de silêncio e escravidão.
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Descrição da cena: Nicholas pede ajuda a Erik para encontrar o livro de um autor banido das redes sociais e ignorado pelas grandes lojas, mas divergem quanto ao melhor modo de ler a obra.

ERIK       
 Encontrei! Não tem na Amazon, mas tem neste site australiano. Olha. (mostrando)
NICHOLAS    
O livro dele custa só 3 dólares? Com envio e tudo? Esse livro está esgotado faz anos! Virou raridade depois que o autor foi banido das redes sociais.
ERIK               
Não, o e-book! Para que você vai querer um livro físico?
NICHOLAS    
Eu tenho a sensação de que assimilo melhor quando leio a versão impressa. O fato de eu segurar, sentir o cheiro, lembrar das marcações... tudo ajuda.
ERIK               
Passado, cara! Para que levar um trambolho desses para cima e para baixo quando num e-reader[2] você tem todos os livros do mundo! Olha, na Amazon tem uma lista de leituras recomendadas sobre o assunto.
NICHOLAS   
 Não curto ler a versão digital. É muito impessoal, é frio. E essa lista que passaram não tem nada a ver com ele. É o oposto, inclusive.
ERIK               
Mas você vai ter a mesma informação do livro físico. E de um modo bem mais fácil.
NICHOLAS    
O modo como eu leio modifica totalmente a minha maneira de pensar. Para que que eu ia me esforçar em interpretar uma sentença se no digital eu clico e tenho a explicação?
ERIK               
Ah, eu adoro! Quando me interesso por um personagem, eu já clico no nome, vejo quem é o ator, a sinopse do livro, entrevistas, tudo! Não perco nada!
NICHOLAS    
Continue lendo assim e tudo para você será superficial e passageiro. Daqui a pouco, não vai conseguir ler nada que for mais denso ou exigir maior concentração.
ERIK               
Eu sou prático! Quero entender algo? Digito no Google e pronto. Estou com fome? Falo “pizza” perto do celular e pronto, vem uma promoção da pizza de que eu mais gosto.
NICHOLAS    
(imitando Erik) Paro de usar o meu cérebro e pronto!, virou uma ameba, cada vez mais preguiçosa.
ERIK               
Eu quero é cada vez ter que decidir menos. Ter as coisas mais rápidas, na mão, sem planejar ou ter trabalho. Quero é tempo livre, mais liberdade!
NICHOLAS    
Quando os outros decidem por você, a liberdade vira escravidão[3]. Se você não sabe nem decifrar o que quer, como é que vai tirar de um livro algo útil para a sua vida?


[1] ORWELL, George, “Crime de pensamento não acarreta morte: crime de pensamento é morte”, Livro 1984, publicado em 1949. Nessa ficção, o governo tenta controlar não apenas as falas e ações, mas também os pensamentos de seus cidadãos, rotulando-os pelo termo crime de pensamento.
[2] Aparelho utilizado para leitura de livros digitais.
[3] Fazendo menção ao lema do grande partido: “Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força”. Em ORWELL, George, 1984.

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segunda-feira, 12 de agosto de 2019

ATO XII - Idade Digital, dos Metacapitalistas à Internet

Idade Digital, dos Metacapitalistas à Internet - Monopólio da opinião - Globalismo - Secularismo - Livro

Compre pela Amazon

(NARRADOR)

Apesar do monopólio das palavras, do controle midiático e da onipresença na comunicação, os grandes castelos tremem. Despistando a banalização do desejo, o patrulhamento ostensivo da linguagem e da relativização moral, rachaduras estalam nas sólidas muralhas dos castelos metacapitalistas. Gritos histéricos desatinam do coletivo submisso ante a ousadia da ressurgente (con)tradição. A Internet surge como um novo “burgo livre”, desafiando o secularismo e o monopólio da opinião. O povo passa a se expressar sem intermediários, e a espiral do silêncio é quebrada, desafiando o poderio do estamento global.
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Descrição da cena: a professora Pâmela está ensinando sobre aquecimento global e sua aluna Bárbara lhe mostrou um estudo interessante sobre como os ciclos solares afetam o clima. A professora lhe pede que compartilhe com a classe.

PÂMELA       Bárbara, poderia se levantar?
                        Sim, professora.
PÂMELA       Bárbara, poderia repetir para a classe o questionamento que você me mostrou sobre o tema aquecimento global que estamos estudando?
BÁRBARA    Hum... melhor não (diz, ruborizada).
PÂMELA       Vamos, Bárbara. Eu achei muito relevante e seria importante compartilhar com todos.
BÁRBARA    Eu... eu não acho que seja uma boa ideia (senta-se, envergonhada).
PÂMELA       Bárbara, levante-se! (levanta) Você me mostrou no intervalo um estudo relacionando a quantidade de manchas solares em cada ciclo solar e a média da temperatura na Terra. Correto?
BÁRBARA    Sim (desviando o rosto, de vergonha).
PÂMELA       E qual é a conclusão, Bárbara?
BÁRBARA    Ah, professora... Então, depende... (enrolando)
PÂMELA       A conclusão da Bárbara é que a interferência antrópica¹ na alteração do clima não se compara à importância da atividade do Sol.
JORDAN       Essa aí é doida, professora! (grita do fundo da classe)
BÁRBARA    Cala a boca, Jordan!!! (senta-se, irritada)
PÂMELA       Quieto, Jordan! Bárbara, levante-se (levanta-se, cabisbaixa). Eu gostei da sua pesquisa. Olhe para mim: nunca será seguro dizer o que pensa, mas é um preço melhor do que ser escravo da opinião alheia.
PETERSON  (levantando a mão) Professora, eu discordo! Primeiro que todo mundo sabe que o clima está esquentando por causa da poluição e que precisamos salvar o planeta. Depois, porque a Barbara é boba mesmo. Ela assiste a uns vídeos idiotas na Internet e só diz asneiras.
PÂMELA       Bárbara, o que você me mostrou é importante para o tema da aula. São dados reais e acredito que será bom discutir.
BÁRBARA    Mas eles vão rir de mim. É só o que eles sabem fazer.
PÂMELA       Nunca se cale quando você tem algo verdadeiro a dizer. Podem te chamar do que for, mas não podem te chamar de mentirosa.
JORDAN       (Murmurando) Mentirosa... (Peterson segura a risada).
BÁRBARA    Não sou mentirosa! (respira fundo) A verdade, professora, é que cada ciclo solar tem duração aproximada de 11 anos e estamos no pico máximo de manchas e de temperatura do ciclo solar atual...
PÂMELA       ...o que explica parte do aumento da temperatura nos anos recentes. Ao mesmo tempo... (apontando para Bárbara continuar)
BÁRBARA    ...ao mesmo tempo, a quantidade de manchas vem diminuindo faz três ciclos solares e, se a tendência continuar, podemos entrar em uma época de temperaturas mais baixas. Pronto, falei! (Jordan e Peterson boquiabertos).
PÂMELA       Mandou bem, garota (aplaudindo)!
JORDAN       Aí... (desdenhando) nada a ver isso ai...
PETERSON  Cala a boca, Jordan. Professora, explica melhor. Quer dizer que não importa o que o homem faça ou deixe de fazer, não dá para salvar o planeta?
PÂMELA       Ela quer dizer que o homem pode e deve conservar o ambiente, cuidar e melhorar do seu microclima, mas que nós não podemos controlar o clima global.
PETERSON  Mas e aquele vídeo do Al Gore e todo aquele aquecimento que o gás carbônico faz, que acabamos de ver? E ela diz que a temperatura ainda vai cair?
PÂMELA       Ela quer dizer que a quantidade de radiação do Sol que chega à Terra está diminuindo e que isso vai contribuir para baixar a temperatura global...
BÁRBARA    ...e também que o Al Gore estava certo quando mostrou a relação histórica entre temperatura e gás carbônico.
JORDAN       É! Eu gostei do lance dele subindo na escadinha... (rindo)
BÁRBARA    Ele só “esqueceu” (fazendo aspas com as mãos) de dizer ali que é a temperatura que sobe antes e só depois de 200 a 800 anos é que o gás carbônico aumenta na mesma proporção.
PÂMELA       Eu vou repassar o vídeo e quero que vocês reparem que ele não sobrepõe os dois gráficos. Depois, para casa, quero que estudem os termos “correlação” e “casualidade”.
PETERSON  Quer saber, Bárbara, gostei. Depois me passa o link desses seus vídeos malucos², eu quero dar olhada.
BÁRBARA    Legal, Peter. Valeu!



¹ Do homem.
² Documentário “A grande farsa do aquecimento global”, de Martin Durkin, em https://youtu.be/tpvpiBiuki4; entrevista do climatologista Ricardo Felício para o programa do Jô Soares, em https://youtu.be/NYLDDnrNlo4; entrevista do Prof. Luiz Carlos Molion na audiência sobre mudanças climáticas e aquecimento global no Senado Federal, em https://youtu.be/eaWeJ4amaBw

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