sábado, 24 de dezembro de 2022

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

PEQUENO TEATRO DA LIBERDADE 08 / 14

 

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ATO VIII - O palácio dos Iluminados

JONAS SE RECOMPÕE E SEGUE PELO caminho indicado pelo velho, chegando até um enorme e imponente prédio, todo pintado de branco, com janelas imensas e um telhado coroado de estátuas. Sua entrada é adornada por incontáveis colunas que sustentam um pórtico, todo esculpido em mármore. Jonas está certo de ter chegado à prefeitura pois tudo ali parece ter custado uma fortuna. Ele observa uma pequena multidão e aproxima-se para ver do que se trata. É uma coletiva do senhor Ulian Boné, porta-voz dos Iluminados. Ele se dirige ao grande número de pessoas e jornalistas ali presentes, estes últimos lhe fazem algumas perguntas. 

JORNALISTA 1
- Boa tarde, Sr. Ulian Boné! Fomos todos surpreendidos pelo novo decreto dos Iluminados. É verdade que eles determinaram que todos os sapateiros de Corrumpo sejam pagos para, para… (a jornalista olha novamente para a anotação, a fim de confirmar o que estava escrito, e continua, lentamente) para
não produzirem sapatos?

 ULIAN BONÉ
- A-a-ah. Sim, sim… absolutamente correto.

JORNALISTA 1
- Esse decreto não é uma espécie de precursor? Ele não abre um precedente para que todos os outros profissionais entrem com o mesmo pedido? - Anotando freneticamente em seu caderninho.

ULIAN BONÉ
- Ah, sim… sim, o decreto abre precedente para que... - mal completa a frase e é bruscamente interrompido pelo outro jornalista.

JORNALISTA 2
- ...Sr. Ulian Boné! Esta é a primeira vez na história de Corrumpo que os sapateiros são pagos para não fazer sapatos?

ULIAN BONÉ
- Hein? Sim, sim… está correto… correto.

JORNALISTA 2
- Este decreto não fará com que todos os sapatos, e as botas, as sandálias e todos os tipos de calçados fiquem mais caros?

ULIAN BONÉ
- Ah, sim. Perfeito, entendi, entendi… estamos em acordo para fazer todo o possível para elevar a renda dos sapateiros.

 JORNALISTA 1
- O senhor poderia nos informar quais são as próximas etapas? Pensando na repercussão deste decreto, qual é o plano para o ano que vem? Não haverá uma reclamação das demais categorias para que elas também tenham o mesmo tratamento dado aos sapateiros? Como ficam os demais setores produtivos, Sr. Uilian?

ULIAN BONÉ
- Hã, hum… o que foi que você perguntou, mesmo? - Pergunta, levantando a sobrancelha como que querendo lembrar de algo.

JORNALISTA 1
- O seu plano. Quais serão as próximas etapas do programa? - Pergunta novamente o repórter, já sem muita paciência.

ULIAN BONÉ
- Ah, sim... claro, claro… (respirando profundamente) hum… hã-ham, veja bem…. acredito que seja a ocasião apropriada… que eu aproveite esta entrevista coletiva para anunciar, em primeira mão... ham... hã-ham! (Piguarreia forte) Os Iluminados planejam pagar um salário a todos os habitantes desta grande ilha de Corrumpo, para que eles nunca mais produzam coisa alguma!

TODOS
- Ohhhh!!! - Começa uma algazarra geral. Os populares batem palmas enquanto alguns jornalistas saem correndo para avisar as suas
redações. Todos falando e comentando ao mesmo tempo. Perguntas pululavam da plateia: - Todo mundo, sem exceção? O Sr. não está brincando? Custará uma fortuna!!!... - uma voz mais alta lhe pergunta: - Será que vai dar certo?

ULIAN BONÉ
- Se vai dar certo? Sim... sim! Já deu certo! Temos um plano-piloto deste projeto implantado na Câmara dos Iluminados há anos e nunca produzimos coisa alguma, desde então! Funciona… sempre funcionou… - diz, com uma ponta de orgulho. Sua voz vai se dissipando no meio da muvuca provocada pelo vozario dos presentes, enquanto é retirado do púlpito por um assessor.

ASSESSOR
- Peço que os senhores se acalmem, por favor, senhores… por favor… peço para que todos os senhores me acompanhem até o Salão Nobre, onde teremos mais um anúncio, desta vez, do Comitê Eleitoral de Corrumpo. Por favor, senhores, por favor... - faz um sinal e todos os presentes se encaminham até o salão, onde se acomodam nas cadeiras. Jonas acompanha a multidão.

 

 

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segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

PEQUENO TEATRO DA LIBERDADE 09-1 / 14

 


Ato IX.Cena1 - O aplausômetro

 

ENQUANTO TODOS OS PRESENTES SE acomodam no grande salão, o assessor anuncia a presença do segundo convidado da tarde, o conhecido e extremamente popular, apresentador Luciano Calderón. A plateia se agita com o anúncio, entre aplausos e vivas, que logo viram uma algazarra com a sua chegada. O apresentador veste uma roupa toda brilhante e espalhafatosa, fazendo caras e bocas enquanto inclina-se para frente a para trás, acompanhando as palmas ritmadas, para diversão da audiência.


ASSESSOR
- Boa tarde a todos, com vocês, o apresentador Luciano Calderón.


LUCIANO CALDERÓN
- Doideira, doideira, doideira! (adentra o palco soltando seu famoso bordão e atraindo a atenção de todos) Boa tarde, sejam muito bem-vindos, eu sou Luciano Calderón e estou realmente impressionado e feliz com a presença de todos vocês, pessoas ma-ra-vi-lho-sas (fala devagar, saboreando cada sílaba), aqui no salão Nobre. Teremos dois convidados para esta tarde. O primeiro é o excelentíssimo, o magnânimo, o onipresente, Sr. Gilmor Hades! Presidente do
Comitê Eleitoral de Corrumpo! - Sobe uma plaquinha onde se lê Aplausos! e Gilmar Hades adentra o palco sob aplausos. Jonas se senta no fundo do salão, quase na última fileira.


GILMAR HADES
- Obrigado, obrigado… (as palmas continuam, forçosamente) muito obrigado! Não precisa, não precisa… eu disse, chega! - Grita, sério, e todos obedecem. As palmas param na hora.


LUCIANO CALDERÓN
- Seja muito bem-vindo Sr. Presidente! Todos estes aplausos são merecidos, só mostram como o senhor é popular entre o povo corrumpido! E, como o povo já sabe, o comitê realizou algumas alterações no processo eleitoral para o ano que vem. O senhor poderia nos detalhar, mais uma vez, como vão funcionar estes novos procedimentos?


GILMAR HADES
- Pois bem, Luciano, eu diria que todo esse entusiasmo que presenciamos aqui, agora há pouco, é de uma nota 5,3. - Responde, arrumando o par de lentes grossas de seu óculos.


LUCIANO CALDERÓN
- Para, para, para… agora o senhor me pegou! O que o senhor quer dizer com (fazendo aspas com as mãos) entusiasmo
nota 5,3?


GILMAR HADES
- Veja bem, eu tenho aqui um
Aplausômetro oficial. Um avançado dispositivo adquirido pelo Comitê Eleitoral que indica o quanto de entusiasmo é demonstrado pelo público. - Explica, tirando do bolso um aparelho do tamanho de um celular, mas com um grande microfone no topo.


LUCIANO CALDERÓN
- Isto é incrível, não é mesmo pessoal? - Sobe a plaquinha de risos e a plateia responde, timidamente. Tão logo o barulho cessa, Gilmar Hades olha para o seu dispositivo e responde.


GILMAR HADES
- Essa reação foi de um entusiasmo 2,6, bem mais modesta.


LUCIANO CALDERÓN
- Sensacional! E o que o Comitê Eleitoral pretende fazer com esse aparelho? Tem alguma relação com as próximas eleições?


GILMAR HADES
- Exatamente, Luciano! O Comitê Eleitoral de Corrumpo decidiu que contar votos não é o suficiente. Não se consegue determinar padrões de moralidade, poder, riqueza e direitos apenas olhando para os números. Os números são muito frios, não tem cor, não passam calor… nós decidimos que o entusiasmo dos eleitores também deve contar.


LUCIANO CALDERÓN
- Que avanço, senhoras e senhores! Isso é incrível! Incrível!!! - O entusiasmado apresentador puxa os aplausos e toda a plateia o acompanha.


GILMAR HADES
- 4,3. - Diz, indiferente.


LUCIANO CALDERÓN
- E como é que este novo padrão de votação vai funcionar, Sr. Gilmar?


GILMAR HADES
- Pela primeira vez, os habitantes de Corrumpo utilizarão os aplausômetros nas seções eleitorais. Em vez de depositar o seu voto em uma urna, o eleitor terá apenas de se sentar em uma cadeira e aplaudir efusivamente quando a luz se acender ao lado do nome do candidato de sua escolha. - Responde, arrumando novamente os óculos, sem conseguir esconder a satisfação por trás de sua cara sisuda.


LUCIANO CALDERÓN
- É só isso?


GILMAR HADES
- Só isso.


LUCIANO CALDERÓN
- E o que acontece depois? O comitê soma a quantidade de votos dados para cada candidato e divulga o resultado?


GILMAR HADES
- Exatamente, Luciano. Com uma única diferença, nós vamos
somar a nota do entusiasmo de cada eleitor em votar no seu candidato favorito. Desta forma, conseguiremos quantificar esse entusiasmo e premiar o candidato que, de fato, mais cativou a população. Tudo muito simples e, o principal, muito mais justo!


LUCIANO CALDERÓN
- Senhoras e senhores, este foi o excelentíssimo, o dadivoso, o benevolente Sr. Gilmar Hades! Presidente do Comitê Eleitoral de Corrumpo! Palmas para ele! - Todos aplaudem enquanto o assistente de palco acompanha a saída do Dr. Gilmar Hades.


GILMAR HADES
- 3,6... 3,6... - murmura, olhando para o aplausômetro em suas mãos e avaliando o
tamanho
do entusiasmo do público.

 

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sábado, 3 de dezembro de 2022

Poema épico de 1847 - A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL, de Teixeira e Sousa

 

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POEMA ÉPICO | CANTO VI

(página 280/600)

 

CV
O gentil Paranympho
155 de Maria,
Gabriel, o feliz Nuncio do Eterno,
Cheio de uma celeste galhardia
Chega ao Anjo, e lhe-diz de um modo terno,
Nadando nessa candida alegria
De que transborda o Alcáçar sempiterno:
— Deos te-salve, ó amigo verdadeiro,
Guardador deste reino Brasileiro. —


CVI
ANJO DO BRASIL.
— Deos te-salve, brilhante potestade
Excelso Embaixador do Esp’rito-Santo;
Salve ao que vem da mystica cidade,
Que Deos adorna de perenne encanto!
Viste talvez meu mal, minha anciedade,
E os receios em que ora me-aquebranto?
156
Sabes acaso quanto o ceo encerra
Sobre os destinos desta vasta terra?


CVII
GABRIEL.
— Anjo, tem visto o ceo tua agonia,
Tuas preces tambem ao ceo chegaram;
Ellas diante da eternal Maria
Ditosa compaixão, graças acharam.
Seus Olhos cheios de brandura pia
Sobre ti docemente se-inclinaram;
E a ti me-mandou p’ra vigorar-te,
Para avisos te-dar, p’ra consolar-te.


CVIII
—Sabe que todo o inferno conspirado
S’-ergue contrario á Brasileira terra!
Quanto de crimes, quanto de malvado
Em seu bojo medonho o Abysmo encerra,
Se-tem no mesmo ponto congregado
Para ao Brasil fazer cruenta guerra!
Um combate será renhido,
157 e novo;
Põe-te em guarda, e defende este teu povo.


CIX
— Firme em seu odio fero, e sempiterno
Em funesto concilio se-reuniram
As potencias crueis de todo inferno;
Alli fremindo,
158 irosas decidiram
Contra o Brasil armar o inteiro Averno:
Após blasphemias com furor bramiram,
E neste intento iniquo, e scelerado
Deste solo a ruina teem jurado.


CX
— Seja embora de sangue sobre um lago,
Ou por sobre montões de cinzas frias;
Entre cadaveres seja em campo vago,
Depois de sanguinosas mil porfias;
Entre o crime, o horror, a morte, o estrago,
Effeitos das mavorcias
159 tyrannias;
Intenta o Despotismo entre este povo
O seu throno cruel erguer de novo.

 CXI
— Ergue-se ardente em fervida ousadia
Para amparo lhe-dar o infausto Abysmo!
Não temem a Discordia, e Anarchia
Nem de ti, nem dos teus todo heroismo.
Voaram dos Infernos a porfia;
Dirigiu-se a Lisboa o Despotismo;
Voa a Anarchia do Brasil ao norte;
E no resto a Discordia adeja forte.


CXII
— Maria a immaculada, a pura, a bella,
Que goza do Brasil o inteiro culto;
Maria, que por ti constante vela,
Te-deseja salvar de tanto insulto!
Agora, Anjo feliz, põe-te em cautela
Contra o inimigo que te-ataca occulto;
Vela pois: os contrarios teus demanda.
Maria isto por mim dizer-te manda. —


CXIII
Fallou, sumiu-se. O Anjo agradecido
Assim levanta aos ceos a voz tão pura:
— O tu do ethereo assento esclarecido
Rainha, encanto, gloria, e formosura,
Eis-me, grato a teus pés me-vês rendido
A tão grande favor, tanta doçura;
Dá-me contra o Inferno alta victoria,
E mais um brilho augmenta á tua gloria!


CXIV
— Este povo ao teu culto tão propenso,
Enlevado em seus prosperos destinos,
Para mais inda honrar a Mãe do Immenso
Entoar-te hade novos puros hymnos!
Grato fumegará sagrado incenso
Em teus Altares aos teus dons divinos;
E pois, abate do Inferno o odio —
Tal dice do Brasil o Anjo Custodio.


CXV
Esses immensos globos, que librados
160
Discorrem nesse espaço sem-medida,
Não foram pelo Eterno só creados
P’ra darem luz, ou terem reflectida
D’outros, que sem cessar são inflammados;
Nem são só a belleza esclarecida,
Que brilha magestosa sobre os ares,
E da noute brilhantes luminares.


CXVI
É peça cada um de um grão systema
Formando a universal maga
161 belleza!
Esse maravilhoso todo emblema,
Em parte, do Immensissimo a grandeza!
Do Senhor a Eternal Mente Suprema
Quando tirou do cahos a Natureza
Caminhos lhes-traçou, d’onde brilhantes
Não poderão sahir, nem por instantes.


CXVII
Os mais sublimes destes, mais ligados
A cidade de Deos aos climas santos
Acham-se inteiramente povoados
De sempiternos, divinaes encantos;
Estes mundos celestes habitados
Inteiramente são por Anjos, quantos
Mandados por Decretos Soberanos
Vem velar sobre a sorte dos humanos.

 

CXVIII
De cada Anjo Custodio é esta a estancia,
Ou seja de nação, ou de ente humano;
E d’alli em perenne observancia
Les-indicam o bem, mostrando o damno;
’Stão aqui em continua vigilancia
Os que se-agitam brandos n’um arcano;
São esses de nossa alma os predilectos,
Que nela regem os fieis affectos.


CXIX
São os Anjos de Amor, e da Amizade,
Da Razão, da Justiça, da Innocencia,
Da Candura,
162 da Gloria, da Verdade,
Do Talento, do Bem, da Sapiencia,
163
Da Poesia, da Paz, da Liberdade,
Do Prazer, da Piedade, e da Prudencia,
E outros, oppostos ás paixões mais rudes,
Doces Affectos, candidas Virtudes!


CXX
Aqui, com angelical suavidade
Oscila doce brisa, e susurrante;
É um sopro eternal da Divindade,
Que estremece, e suspira a todo instante;
Despontando da celica Cidade
Meigo affaga este globo fulgurante;
Fragrancia divinal prende os sentidos,
Em que os Anjos estão sempre embebidos.


CXXI
Entre tão grandes, immortaes encantos
Resoam de continuo mil trinados
164
De mellicos, suaves, dulios cantos!
São os Anjos, que em Deos sempre enlevados
Psalmeam
165 sem cessar seus hymnos santos,
Suas preces, seus votos arroubados!
166
Nasce do firme bem firme alegria,
Eterna luz difunde eterno dia!


CXXII
Aqui o Anjo do Brasil entrava,
E o Anjo buscou da liberdade;
Conta-lhe ao vivo o quanto se-passava,
E qual era do Inferno a má vontade;
O denegrido plano que intentava
Cumprir do Despotismo a crueldade;
De Gabriel a prospera embaixada;
E o grão favor da Mãe inviolada!


CXXIII
— Olha (dest’arte o Anjo continua):
Distende a vista pelo longo plano
Dessa terra infeliz, que já foi tua,
Solo, que hoje se-chama americano!
Aqui reinou a influencia crua
Do negro Despotismo tão tyranno!
Existem inda ahi seus monumentos,
E a lembrança fatal de seus tormentos!

 

CXXIV
Aonde o filho está da natureza
Primitivo, sublime, e excellente,
Cheio de magestade, e de belleza,
O homem, esse ser independente?
Aonde existe pois tanta nobreza?
O que se-ha feito desse illustre ente?
O primeiro peccado… atroz verdade!
Aniquilou a sua liberdade!


CXXV
Miserando! perdeu sua excellencia,
E fraco baqueou sem magestade;
Perdeu a sua cara independencia,
E a nobre obsoluta liberdade.
Assomou sobre a terra a preferencia,
E della se-ausentou leda egualdade!
Foi senhor o feliz soldado bravo,
O infeliz arrastrou grilhões de escravo!


CXXVI
Si n’um paiz, n’um tempo, bafejava
Teu halito feliz, doce, e divino,
O Inferno feroz, que o-detestava,
Vinha-o logo turpar com desatino;
Si n’um paiz a paz doce imperava,
Da guerra a-afugentava o esp’rito indi’no;
Eram manejos do sanhudo Abysmo,
Traçados pela mão do Despotismo!


CXXVII
Assim, foi longo tempo bafejado
Por ti o doce clima americano;
Assim, por tanto tempo abençoado
Gozou da paz o sopro soberano;
Mas o poder do Averno conjurado
Tanto bem transformou em tanto damno!
Ergue-se o Despotismo nesta terra,
E negreja, e a-devora infausta guerra!


CXXVIII
Quando as do torpe Averno iras insanas
Conspiram contra a triste humanidade,
Certo mui pouco são forças humanas
Contra a do Inferno torva crueldade;
Só dos Anjos as forças soberanas
Resistem a tão grande iniquidade;
Eia, armemos-nos pois contra o Abysmo,
E calquemos
167 o collo ao Despotismo.


CXXIX
— Em quanto no Brasil si não accende
O impio fogo atroz da civil guerra;
Em quanto o Despotismo não estende
Seu poder, e alli se não aferra;
Em quanto a Santa Virgem nos-defende,
Tão doce Protectora desta terra;
Convem que aqui o teu poder só possa…
O que dizes, ó Anjo? — « A causa é nossa. — »


CXXX
Dice: e ambos as azas estenderam
Do centro dessa região syderea;
Ambos em um momento percorreram
Do Amazonas ao Prata a plaga
168 etherea;
Seus adejos depois ambos colheram,
Toda deixando atraz campina aerea;
E assim que esses ares perlustraram
De Santa Cruz na terra emfim poisaram.
169
 

CXXXI
Em quanto entre os dous Anjos se-passavam
Estas cousas, já tinha o negro Abysmo
Tudo disposto: e aos homens concitavam
170
A medonha Discordia, e o Despotismo,
E os animos com furias agitavam;
Desfallecia a paz n’um paroxysmo,
E per entre a geral desconfiança
Minorava nas almas a esperança!


CXXXII
As Juntas das provincias receiosas
Consideravam Pedro mal contente,
E criam que nas luctas c’lamitosas
Amparo désse á Lusitana gente!
Algumas, desta sorte cautelosas
Obedecer negavam-se ao Regente;
Pois da Desconfiança o esp’rito ousado
Tinha n’aquelles peitos penetrado!


CXXXIII
Chegaram pois aos ultimos apuros
Muitas províncias da Brasilea terra!
Involviam-se turbidos futuros
Já com o manto da intestina
171 guerra;
Entre tristes destinos mais que escuros
Em seu seio o seu germen já se-aferra:
Falta um signal p’ra as luctas c’lamitosas,
E arderão mil pelejas sanguinosas.

 

FIM DO CANTO VI


 -

155 (Figurado) Pessoa que anuncia alguma felicidade. 156 Debilita; enfraquece. 157 Cruento; sangrento. 158 Tremer; vibrar. 159 Referente a Marte; guerreiro; belicoso. 160 Equilibrado. 161 Mágica; feiticeira.  162 Pureza; inocência. 163 Sabedoria; erudição. 164 Canto de pássaro; gorjeio. 165 “Salmear”: cantar salmos. 166 Arrebatado; extasiado. 167 Pisar; esmagar. 168 País; região. 169 O mesmo que “pousar”, assentar. 170 Instigar; provocar. 171 Tornar intestino, interno
 

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