POEMA ÉPICO | CANTO VI
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CV
O gentil Paranympho155 de Maria,
Gabriel, o feliz Nuncio do Eterno,
Cheio de uma celeste galhardia
Chega ao Anjo, e lhe-diz de um modo terno,
Nadando nessa candida alegria
De que transborda o Alcáçar sempiterno:
— Deos te-salve, ó amigo verdadeiro,
Guardador deste reino Brasileiro. —
CVI
ANJO DO BRASIL.
— Deos te-salve, brilhante potestade
Excelso Embaixador do Esp’rito-Santo;
Salve ao que vem da mystica cidade,
Que Deos adorna de perenne encanto!
Viste talvez meu mal, minha anciedade,
E os receios em que ora me-aquebranto?156
Sabes acaso quanto o ceo encerra
Sobre os destinos desta vasta terra?
CVII
GABRIEL.
— Anjo, tem visto o ceo tua agonia,
Tuas preces tambem ao ceo chegaram;
Ellas diante da eternal Maria
Ditosa compaixão, graças acharam.
Seus Olhos cheios de brandura pia
Sobre ti docemente se-inclinaram;
E a ti me-mandou p’ra vigorar-te,
Para avisos te-dar, p’ra consolar-te.
CVIII
—Sabe que todo o inferno conspirado
S’-ergue contrario á Brasileira terra!
Quanto de crimes, quanto de malvado
Em seu bojo medonho o Abysmo encerra,
Se-tem no mesmo ponto congregado
Para ao Brasil fazer cruenta guerra!
Um combate será renhido,157 e novo;
Põe-te em guarda, e defende este teu povo.
CIX
— Firme em seu odio fero, e sempiterno
Em funesto concilio se-reuniram
As potencias crueis de todo inferno;
Alli fremindo,158 irosas decidiram
Contra o Brasil armar o inteiro Averno:
Após blasphemias com furor bramiram,
E neste intento iniquo, e scelerado
Deste solo a ruina teem jurado.
CX
— Seja embora de sangue sobre um lago,
Ou por sobre montões de cinzas frias;
Entre cadaveres seja em campo vago,
Depois de sanguinosas mil porfias;
Entre o crime, o horror, a morte, o estrago,
Effeitos das mavorcias159 tyrannias;
Intenta o Despotismo entre este povo
O seu throno cruel erguer de novo.
CXI
— Ergue-se ardente em fervida ousadia
Para amparo lhe-dar o infausto Abysmo!
Não temem a Discordia, e Anarchia
Nem de ti, nem dos teus todo heroismo.
Voaram dos Infernos a porfia;
Dirigiu-se a Lisboa o Despotismo;
Voa a Anarchia do Brasil ao norte;
E no resto a Discordia adeja forte.
CXII
— Maria a immaculada, a pura, a bella,
Que goza do Brasil o inteiro culto;
Maria, que por ti constante vela,
Te-deseja salvar de tanto insulto!
Agora, Anjo feliz, põe-te em cautela
Contra o inimigo que te-ataca occulto;
Vela pois: os contrarios teus demanda.
Maria isto por mim dizer-te manda. —
CXIII
Fallou, sumiu-se. O Anjo agradecido
Assim levanta aos ceos a voz tão pura:
— O tu do ethereo assento esclarecido
Rainha, encanto, gloria, e formosura,
Eis-me, grato a teus pés me-vês rendido
A tão grande favor, tanta doçura;
Dá-me contra o Inferno alta victoria,
E mais um brilho augmenta á tua gloria!
CXIV
— Este povo ao teu culto tão propenso,
Enlevado em seus prosperos destinos,
Para mais inda honrar a Mãe do Immenso
Entoar-te hade novos puros hymnos!
Grato fumegará sagrado incenso
Em teus Altares aos teus dons divinos;
E pois, abate do Inferno o odio —
Tal dice do Brasil o Anjo Custodio.
CXV
Esses immensos globos, que librados160
Discorrem nesse espaço sem-medida,
Não foram pelo Eterno só creados
P’ra darem luz, ou terem reflectida
D’outros, que sem cessar são inflammados;
Nem são só a belleza esclarecida,
Que brilha magestosa sobre os ares,
E da noute brilhantes luminares.
CXVI
É peça cada um de um grão systema
Formando a universal maga161 belleza!
Esse maravilhoso todo emblema,
Em parte, do Immensissimo a grandeza!
Do Senhor a Eternal Mente Suprema
Quando tirou do cahos a Natureza
Caminhos lhes-traçou, d’onde brilhantes
Não poderão sahir, nem por instantes.
CXVII
Os mais sublimes destes, mais ligados
A cidade de Deos aos climas santos
Acham-se inteiramente povoados
De sempiternos, divinaes encantos;
Estes mundos celestes habitados
Inteiramente são por Anjos, quantos
Mandados por Decretos Soberanos
Vem velar sobre a sorte dos humanos.
CXVIII
De cada Anjo Custodio é esta a estancia,
Ou seja de nação, ou de ente humano;
E d’alli em perenne observancia
Les-indicam o bem, mostrando o damno;
’Stão aqui em continua vigilancia
Os que se-agitam brandos n’um arcano;
São esses de nossa alma os predilectos,
Que nela regem os fieis affectos.
CXIX
São os Anjos de Amor, e da Amizade,
Da Razão, da Justiça, da Innocencia,
Da Candura,162 da Gloria, da Verdade,
Do Talento, do Bem, da Sapiencia,163
Da Poesia, da Paz, da Liberdade,
Do Prazer, da Piedade, e da Prudencia,
E outros, oppostos ás paixões mais rudes,
Doces Affectos, candidas Virtudes!
CXX
Aqui, com angelical suavidade
Oscila doce brisa, e susurrante;
É um sopro eternal da Divindade,
Que estremece, e suspira a todo instante;
Despontando da celica Cidade
Meigo affaga este globo fulgurante;
Fragrancia divinal prende os sentidos,
Em que os Anjos estão sempre embebidos.
CXXI
Entre tão grandes, immortaes encantos
Resoam de continuo mil trinados164
De mellicos, suaves, dulios cantos!
São os Anjos, que em Deos sempre enlevados
Psalmeam165 sem cessar seus hymnos santos,
Suas preces, seus votos arroubados!166
Nasce do firme bem firme alegria,
Eterna luz difunde eterno dia!
CXXII
Aqui o Anjo do Brasil entrava,
E o Anjo buscou da liberdade;
Conta-lhe ao vivo o quanto se-passava,
E qual era do Inferno a má vontade;
O denegrido plano que intentava
Cumprir do Despotismo a crueldade;
De Gabriel a prospera embaixada;
E o grão favor da Mãe inviolada!
CXXIII
— Olha (dest’arte o Anjo continua):
Distende a vista pelo longo plano
Dessa terra infeliz, que já foi tua,
Solo, que hoje se-chama americano!
Aqui reinou a influencia crua
Do negro Despotismo tão tyranno!
Existem inda ahi seus monumentos,
E a lembrança fatal de seus tormentos!
CXXIV
Aonde o filho está da natureza
Primitivo, sublime, e excellente,
Cheio de magestade, e de belleza,
O homem, esse ser independente?
Aonde existe pois tanta nobreza?
O que se-ha feito desse illustre ente?
O primeiro peccado… atroz verdade!
Aniquilou a sua liberdade!
CXXV
Miserando! perdeu sua excellencia,
E fraco baqueou sem magestade;
Perdeu a sua cara independencia,
E a nobre obsoluta liberdade.
Assomou sobre a terra a preferencia,
E della se-ausentou leda egualdade!
Foi senhor o feliz soldado bravo,
O infeliz arrastrou grilhões de escravo!
CXXVI
Si n’um paiz, n’um tempo, bafejava
Teu halito feliz, doce, e divino,
O Inferno feroz, que o-detestava,
Vinha-o logo turpar com desatino;
Si n’um paiz a paz doce imperava,
Da guerra a-afugentava o esp’rito indi’no;
Eram manejos do sanhudo Abysmo,
Traçados pela mão do Despotismo!
CXXVII
Assim, foi longo tempo bafejado
Por ti o doce clima americano;
Assim, por tanto tempo abençoado
Gozou da paz o sopro soberano;
Mas o poder do Averno conjurado
Tanto bem transformou em tanto damno!
Ergue-se o Despotismo nesta terra,
E negreja, e a-devora infausta guerra!
CXXVIII
Quando as do torpe Averno iras insanas
Conspiram contra a triste humanidade,
Certo mui pouco são forças humanas
Contra a do Inferno torva crueldade;
Só dos Anjos as forças soberanas
Resistem a tão grande iniquidade;
Eia, armemos-nos pois contra o Abysmo,
E calquemos167 o collo ao Despotismo.
CXXIX
— Em quanto no Brasil si não accende
O impio fogo atroz da civil guerra;
Em quanto o Despotismo não estende
Seu poder, e alli se não aferra;
Em quanto a Santa Virgem nos-defende,
Tão doce Protectora desta terra;
Convem que aqui o teu poder só possa…
O que dizes, ó Anjo? — « A causa é nossa. — »
CXXX
Dice: e ambos as azas estenderam
Do centro dessa região syderea;
Ambos em um momento percorreram
Do Amazonas ao Prata a plaga168 etherea;
Seus adejos depois ambos colheram,
Toda deixando atraz campina aerea;
E assim que esses ares perlustraram
De Santa Cruz na terra emfim poisaram.169
CXXXI
Em quanto entre os dous Anjos se-passavam
Estas cousas, já tinha o negro Abysmo
Tudo disposto: e aos homens concitavam170
A medonha Discordia, e o Despotismo,
E os animos com furias agitavam;
Desfallecia a paz n’um paroxysmo,
E per entre a geral desconfiança
Minorava nas almas a esperança!
CXXXII
As Juntas das provincias receiosas
Consideravam Pedro mal contente,
E criam que nas luctas c’lamitosas
Amparo désse á Lusitana gente!
Algumas, desta sorte cautelosas
Obedecer negavam-se ao Regente;
Pois da Desconfiança o esp’rito ousado
Tinha n’aquelles peitos penetrado!
CXXXIII
Chegaram pois aos ultimos apuros
Muitas províncias da Brasilea terra!
Involviam-se turbidos futuros
Já com o manto da intestina171 guerra;
Entre tristes destinos mais que escuros
Em seu seio o seu germen já se-aferra:
Falta um signal p’ra as luctas c’lamitosas,
E arderão mil pelejas sanguinosas.
FIM DO CANTO VI
-
155 (Figurado) Pessoa que anuncia alguma felicidade. 156 Debilita; enfraquece. 157 Cruento; sangrento. 158 Tremer; vibrar. 159 Referente a Marte; guerreiro; belicoso. 160 Equilibrado. 161 Mágica; feiticeira. 162 Pureza; inocência. 163 Sabedoria; erudição. 164 Canto de pássaro; gorjeio. 165 “Salmear”: cantar salmos. 166 Arrebatado; extasiado. 167 Pisar; esmagar. 168 País; região. 169 O mesmo que “pousar”, assentar. 170 Instigar; provocar. 171 Tornar intestino, interno
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